RAZÕES DA VINDA DOS IMIGRANTES SUIÇOS E ALEMÃS PARA NOVA FRIBURGO (1818-1824)
Uma análise das condições políticas, climáticas e socioeconômicas do período anterior as imigrações dará as respostas a essa pergunta.
Socioeconômicas:
A revolução industrial iniciada na Inglaterra no século XVIII provocou profundas alterações socioeconômicas nas cidades européias. A industrialização trouxe efeitos negativos para os profissionais liberais. A chegada de máquinas, com escala de produtividade muito superior aos processos manuais, passou a substituir profissionais como alfaiates, carpinteiros, tecelões, artesãos, etc... Essa população de desempregados nas cidades passou a engrossar a massa de famintos nas regiões européias.
A França criou barreiras protecionistas com a introdução de impostos alfandegários e piorando ainda mais a situação de regiões estrangeiras com a Confederação Helvética, Prússia e o Império Austro-húngaro.
Climáticas:
O vulcão Tambora, situado em Sumbawa (Indonésia) entra em erupção em 1815, cuspindo imensas quantidades de cinzas na atmosfera e assim enfraquecendo a radiação solar em todo o mundo, principalmente no hemisfério norte. Essa foi a pior erupção vulcânica nos últimos 10.000 anos. A Europa é fortemente atingida e o ano de 1816 é conhecido como “Ano Sem Verão”. Nesse ano, o trabalho agrícola é extremamente difícil e a economia fica paralisada. Foi em meados de Junho desse ano, após a erupção de Tambora, que começa a chover e as temperaturas caiem fortemente. A chuva e o frio persistem, a vegetação sofre e as colheitas são praticamente todas perdidas.
A falta de víveres e o conseqüente aumento da inflação de preços levam a fome em massa. As áreas agrícolas européias possuíam poucas reservas de cereais que são insuficientes para passar o próximo inverno. Na região de St. Gall na Suiça, no ano de 1817, mais de 5000 pessoas morreram vítimas de fome.
Políticas:
A Revolução Francesa em 1789 serviu de inspiração para muitas outras regiões também se revoltassem contra as monarquias. O período de 1792 a 1815 foi marcado pelo domínio francês a partir das conquistas napoleônicas impondo um controle a todo o território alemão, dividido entre a Confederação do Reno, a Áustria e a Prússia. Em 1806, Francisco II declarou a dissolução do Sacro Império e proclamou-se imperador da Áustria. Nos anos seguintes, a dominação francesa estimulou o aparecimento da consciência nacional alemã, especialmente na Prússia, onde os ministros de Frederico Guilherme III, inspirados nas idéias da revolução, empreenderam importantes reformas administrativas e econômicas. A partir de 1813, as guerras de libertação reuniram os alemães num esforço comum contra o invasor, contribuindo para o processo de unificação germânica. A Prússia, aliada à Rússia e à Áustria, venceu a França em Leipzig em outubro desse mesmo ano; em fevereiro do ano seguinte as tropas do marechal Gebhard Leberecht de Blücher entraram em Paris.
O Congresso de Viena de 1815 substituiu o Sacro Império por uma Confederação Germânica composta de 35 estados e quatro cidades livres, estruturada em torno da Dieta (assembléia de representantes) de Frankfurt sobre o Meno. Desde o princípio, a Áustria e a Prússia entraram em conflito por suas ambições hegemônicas sobre a confederação, ainda que concordassem em manter a divisão política e em reprimir os movimentos liberais e nacionalistas.
Na América Latina a independências das colônias e as redefinições de fronteiras territoriais marcaram um período de grande instabilidade política e guerras.
No Brasil, D. João VI temia a perda de terras para as recém criadas repúblicas independentes e queria ter um exército profissional para a defesa. Os soldados imigrantes atenderiam a essa finalidade.
Com o retorno da Corte Real para Portugal em 24.04.1821 e com independência do Brasil, D. Pedro I teve que ampliar essa militarização independente para também fazer frente às tropas portuguesas aqui aquarteladas e ainda fiéis à Coroa. A guerra com a Argentina sobre a província Cisplatina estava necessitando um contingente importante de soldados e somente teria a solução de trazê-los do exterior.
Além de soldados necessitava o país também de colonos que viessem a instalar no Sudeste e Sul e garantir a posse da terra.
A Imperatriz D. Leopoldina, esposa de D. Pedro I e arquiduquesa da Áustria, recomendou trazer soldados e colonos da Alemanha. Lá havia milhares de soldados desempregados desde o fim das guerras contra a França e milhares de agricultores, artesãos, tecelões famintos e necessitando de uma solução urgente.
Os suíços não tinham tido o sucesso desejado por todos em Nova Friburgo. Depois da esperança de 1820, a contratação de novas levas migratórias poderia ser uma boa solução. E com esse intuito e somado ao momento político em que o Brasil se encontrava, José Bonifácio de Andrada e Silva, como ministro dos Negócios Estrangeiros, assinou em 21 de agosto de 1822 quando o processo de nossa independência já se liquidava, no qual incluía a imigração de no máximo 4.000 pessoas divididas em duas classes, sendo: "A Primeira, de atiradores que debaixo do disfarce de colonos serão transportadas ao Brasil onde deverão servir como militares pelo espaço de seis anos; a Segunda classe, de indivíduos puramente colonos aos quais se concederão terras para seus estabelecimentos, devendo porém servir como militares em tempos de guerra, à maneira dos Cossacos ou Milícia Armada, vencendo no tempo de serviço, o mesmo soldo que têm as Milícias Portuguesas, quando se acham em campanha".
A difícil missão de angariar colonos e contratar soldados alemães para os Batalhões de Estrangeiros do Brasil coube ao Major Johann Anton Von Schaeffer, que havia chegado ao Brasil em 1814 e conseguido granjear a amizade de D. Leopoldina, pelo interesse de ambos nas ciências naturais. De posse de uma procuração que o nomeava de "Agente de afazeres políticos do Brasil", Schaeffer encontrou inicialmente grandes dificuldades em contratar soldados na Alemanha. A exportação de soldados era proibida, desde o Congresso de Viena em 1815, pois as grandes potências européias (Prússia, Inglaterra, Áustria e Rússia) não permitiriam o surgimento de outro "Napoleão" no mundo, e, D. Pedro I, com a independência do Brasil foi considerado um usurpador do poder, um rebelde que traíra o pai.
Em algumas cidades Alemãs existia o direito dos cidadãos à emigração, principalmente nos Estados da atual Renana onde, pela proximidade com a França, a destruição provocada pela guerra havia sido maior e onde mais se fizeram sentir os efeitos do fim do feudalismo. Cerca de 50% dos imigrantes são provenientes desta região, mas precisamente do "Hunsrück" quadrilátero compreendido entre os Rios Reno, Mosela, Nahe e Saar. Os camponeses que agora podiam abandonar o campo, não encontravam trabalho nas cidades também já repletas de artesãos desempregados, pois as indústrias estavam trocando a mão-de-obra humana pelas máquinas que produziam mais e melhor.
Com a oferta pelo Governo brasileiro de terras (cerca de 150 Morgen, equivalentes a 77 hectares), além de ferramentas, gado, sementes, auxílio financeiro nos 2 primeiros anos e isenção nos primeiros 10 anos, a missão de Schaeffer foi grandemente facilitada.
Para não chamar a atenção das autoridades Schaeffer embarcaria soldados disfarçados entre famílias de colonos. Para angariar os emigrantes Schaeffer havia nomeado diversos subagentes na Alemanha que se encarregavam da documentação e do transporte dos colonos das suas localidades até o porto de embarque, que no início foi Hamburgo enquanto Schaeffer se ocupava na contratação das embarcações, veleiros (galeras) de 3 mastros. Da Renana até Hamburgo viagem, feita em diligências puxadas à tração animal, demorava cerca de 4 semanas. Em Hamburgo eram os emigrantes submetidos a quarentena e ao exame da documentação, entre eles o "certificado de cidadania brasileira", com renuncia expressa da cidadania alemã, fornecido por Schaeffer. As autoridades alemãs não queriam que os emigrantes arrependidos voltassem para sua terra natal.
O embarque dava-se quando o navio estava pronto, ou seja, devidamente adequado para o transporte de pessoas. Os veleiros construídos para o transporte de mercadorias e recebiam beliches instalados nas áreas semi-cobertas das embarcações para acomodar os passageiros. O início da viagem significava a despedida definitiva da família e dos amigos, mas significava também o abandono da uma pátria com instabilidade institucional, democracia precária, explosão demográfica, recessão econômica, terras exauridas e improdutivas, e que para os emigrantes significava a fuga do desemprego, da fome, da insegurança, da falta de perspectivas e do desespero.
No campo reinava o minifúndio. Sucessivas divisões hereditárias tornaram as propriedades em frações de terras muito reduzidas. Pela contínua exploração as terras tornaram-se pouco produtivas. Subsistia ainda a estrutura de trabalho baseada no regime feudal. Mas de nada revolvia o abandono do campo pelos camponeses, pois estes não encontravam emprego nas cidades. A indústria manufatureira havia criado novas profissões, para as quais os camponeses não tinham habilitação, pois eram na maioria ex-servos desqualificados.
Dificuldades enfrentadas pelos imigrantes.
O início da viagem também significava o princípio de uma aventura: a viagem pelo Atlântico, que dependendo das condições a viagem pelo Atlântico levava de 90 a 120 dias. Os suíços que haviam chegado ao Brasil em 1819, oriundos de Fribourg e que aqui se instalaram em Nova Friburgo, tiveram uma viagem desastrosa. Por falta de organização aguardaram por 2 meses o embarque no porto da Holanda. Mal instalados ali mesmo enterraram 43 emigrantes. Os 2.018 montanheses arrebanhados por campos e aldeias atravessaram o Atlântico espremidos em 7 barcos. Um dos barcos, o Urânia, em que embarcaram 437 passageiros, devido a uma epidemia, marcou sua rota marítima com um rastro de 107 corpos. Mais de 1 cadáver por dia. Um quarto dos passageiros lançados do tombadilho. No Rio de Janeiro outra mortandade em decorrência de febres tropicais. Ao todo, de uma Friburgo à outra, a velha na Suíça e a nova no Rio, somaram-se 389 baixas. Dos 2.018 colonos que saíram chegaram apenas 1.631, índice de mortandade parecido com o dos navios negreiros!Com o ingresso de Major Schaeffer no processo imigratório isto não haveria de acontecer. Homem extremamente diligente organizou com todo o cuidado os embarques. Em cada uma das 27 expedições que organizou de 1824 a 1829 havia um "comandante do transporte" ou "chefe da expedição", que zelavam pela disciplina, pela higiene bordo bem como dos direitos e deveres dos passageiros. A alimentação não era descurada. Os comandantes convidavam passageiros para os seus camarotes para comprovar que a alimentação servida aos tripulantes era a mesma que era servida aos passageiros. Em cada navio havia um médico cirurgião, farmacêutico e enfermeiros para cuidar da saúde bem como da higiene para evitar a erupção de epidemias à bordo. Evidentemente que ocorreram mortes nas viagens, mas estas sempre foram decorrentes de causas diversas, e não devidos à má alimentação ou falta de higiene da embarcação ou dos passageiros.
Conrad Meyer foi o relator dessa viagem, da qual participara até Tenerife, prestando informações personalizadas e agrupadas em três listas. Elas foram feitas com cuidado e nos dão uma visão mais exata sobre esses colonos enviados por Schaeffer e das dificuldades enfrentadas por eles na viagem:
"O navio enfrentou longos temporais que inutilizaram seus mastros obrigando a um retorno ao porto de Texel, onde 26 colonos homens, mulheres e crianças fugiram a um novo embarque."
"Nossa segunda partida, não foi mais feliz que a primeira. Cruzamos durante alguns dias o Canal da Mancha e fomos forçados uma segunda vez por ventos a arribar a Cowes na Ilha Wiglot. A nossa terceira partida, parecia mais favorável do que o das duas primeiras. Mas logo grandes furacões nos lançaram na Baia de Biscaia e mais tarde nas Costas de Mandragora na África; só depois de infinito atraso conseguimos chegar a Tenerife (Santa Cruz)".
Em Santa Cruz, houve nova compra de água e provisões, mas já sem Conrad Meyer, que se transferira para o Paquete inglês Eclipse, seguiu o Argus para o Rio de Janeiro em Dezembro de 1823.
Meyer chegara um pouco antes e apresentava um detalhado relatório às autoridades locais. Assim a 7 de Janeiro de 1824, dias depois da chegada de Conrad Meyer, o Ministro Carvalho e Mello, ao responder aos ofícios de Schaeffer prometia-lhe o envio de fundos destinados à colonização dizendo: "Entretanto tendo aqui já chegado, Conrad Meyer com a conta das despesas que fizera na Comissão de vir acompanhado os trezentos alemães por Vossa Mercê enviados para este Império. Sua Majestade Imperial não só mandou prontamente pagar-lhe, mas deu todas as providências para o bom recebimento e comodidade dos ditos colonos alemães, como a Vossa Mercê constará pelas cópias inclusas e Diários do Governo".
Muito bom, obrigado por compartilhar essa preciosa pesquisa e ponderação! Por: Filipe Rodrigues (descendente vivo das famílias Fendeler ou "Findler" e Jungbluth - ambas alemãs).
ResponderExcluirTrabalho de qualidade. Sou descendente de folly, murith, jungblut e pereira da rosa
ResponderExcluirMuito interessante. Alguma dica de acesso à lista de imigrantes vindos dos navios? Eu cheguei a encontrar de Portugal no Arquivo Nacional do Rio de Janeiro. Vi uma cópia de um navio vindo da Alemanha e quase todos caracterizados como trabalhadores tal qual mencionado o texto. Tempos depois houve preconceito com militares descentes de alemães, assim como aconteceu com descendentes de japoneses por conta da guerra.
ResponderExcluirLista de navia com parte da referida história em http://www.familiaeller.com.br/argus.asp
ResponderExcluirNavio
ExcluirO site da Fundação D. João VI está fora do ar
ResponderExcluirGostaria de saber sobre os imigrants alemães da década de 1840. Haveria uma relação dos navios e dos imigrantes?
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